quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Aspectos Industriais em Mato Grosso – Por Neila Maria Souza Barreto (Parte 2)

AS INDÚSTRIAS MATO-GROSSENSES, NO OLHAR DE VIRGÍLIO CORRÊA FILHO - Por Neila Barreto

CULTURA ALGODOEIRA
Para Virgílio Corrêa Filho, a cultura algodoeira passou despercebida frente às indagações dos primeiros cronistas de Cuiabá, à exemplo de J. A. Cabral Camelo que, ao relatar sobre os índios Parecis informava apenas que em suas roças, as mulheres se utilizavam da árvore do “Tucum” para tecer suas redes e os cobertores, no triênio anterior a 1730. Decorridos 20 anos, no mesmo silêncio, se manteve o cronista José Gonçalves da Fonseca, de quem provém a “Noticia da Situação de Mato Grosso e Cuiabá”.


Até que em 1787, Ricardo Franco de Almeida Serra informou em seu “Diário de Reconhecimento” que, no povoado de Albuquerque, atual Corumbá, em suas roças entre os produtos existentes havia “muito algodão”, que ali mesmo era fiado, tecido e, depois levado para Cuiabá, ensaiando assim, o início da cultura algodoeira, inclusive, espalhada para as fazenda vizinhas e introduzidas ao regime econômico da época, mesmo que fosse para o seu consumo interno, cobrindo despesas com artigos de importação, como ferramentas, exigências culinárias, vestimenta e outros.
O algodão era trabalhado em teares primitivos, onde a habilidade manual do tecelão desempenhava a tarefa industrial, transformando as fibras em pano resistente para vestimenta dos trabalhadores, aos menos desprovidos ou aqueles que desprezavam as vestes finas.
Georg Heinrich von Langsdorff, acompanhado de Hercules Florence, segundo Corrêa, informou que a cultura algodoeira, desde Camapuã, a 09 de outubro de 1826, em meio do divisor de águas do Paraná e Paraguai, aos aldeamentos dos Apiacás, no Arinos, verificou-se abundante, a plantação do algodão entre outras lavouras existentes. Luís d´Alincourt testemunhou, também, na mesma época, dizendo: “o pano de algodão que é muito bom, fazem algumas rendas, e louças para o seu uso”.
Assim, Florence, desenhista e cronista fidedigno deu prova cabal da cultura algodoeira, explorada em suas diversas fases, do plantio à transformação industrial e aplicação imediata no mercado da época. Ali se iniciava o ciclo integral da planta, cujas fibras iriam urdir o único tecido ou, pelo menos, o mais utilizado pelos habitantes e, ao seu próprio sustento.
Após essa constatação, a expedição organizada por Langsdorff tomou o rumo de Cuiabá e, foi bem recebida, pelo presidente de Província – José Saturnino da Costa Pereira (10/09/1825-03/05/1828), por ser um homem muito interessado em expedições científicas. Nessa época, a capital contava com 6.000 habitantes, onde no centro havia apenas duas dezenas de casas assobradadas, enriquecidas pela pomicultura, onde cada casa tinha nos fundos um jardim plantado de laranjeiras, limoeiros, goiabeiras, cajueiros e tamarindeiros, dando à população aspecto risonho e pitoresco. O forasteiro, com a curiosidade peculiar, não deixou de registrar que as condições econômicas regionais eram baseadas em ouro e diamantes, com diminuta exportação de açúcar e tecidos de algodão tendo como destino o Pará.
A Capital, à época, produzia além do açúcar, o algodão, o feijão, milho, mandioca e tamarindo. No entanto, se limitava à exploração das minas e ao fabrico do algodão grosso, de que se vestia a gente pobre, observou Florence.
Em 31 de Março de 1828, a flotilha exploradora zarpou para os domínios dos índios Apiacás, índios estes, que já não estranhavam o convívio com os civilizados. Apesar de andarem nus, sabiam tecer do algodão muito fortes, cerrados e cuja trança cobria a fiada. Teciam redes, braçadeiras, suspensórios, mas nada que seja coisa de cobrir-lhes a nudez.
Nesse movimento exploratório o viajante sagaz, Hercules Florence que varou o território, da foz do Rio Pardo no Paraná, ao Tapajós e Belém, percebeu sinais da presença do algodão, tanto no Camapuã, no planalto sulino, como em Cuiabá, na região central da Província e no vale do Arinos, até Diamantino, em suas frequentes excursões no Pará.
Assim, a cultura algodoeira era espalhada para todos os lados, restringindo a importação de tecidos e peças mais finas e, utilizando de hábeis mãos de obras da escravatura, em aparelhos manuais, cuja indústria rudimentar foi derrocada pela abolição e a concorrência, principalmente, em tecidos importados advindos da navegação franqueada pelo rio Paraguai, desestimulando a plantação do algodão.
Esse fato foi notado em 1908, na “Exposição Nacional”, no Rio de Janeiro com o objetivo de balancear os recursos naturais do país e o seu desenvolvimento industrial, quando a carência de amostras do algodão evidenciou o abandono do seu plantio.
Por outro lado, nascia a tentativa do plantio do algodão na “Colônia da Imaculada Conceição”, onde os padres salesianos montaram uma fábrica de tecidos para aprendizagem e prática dos índios bororos, que a povoavam. O algodão figurava em caroço, em rama e aplicado em peças de ensaio de teares recém instalados.
Após, houve outras tentativas de plantio do algodão com objetivo diferente do primitivo, o de exportar para as fábricas litorâneas, porém com o desconhecimento da técnica especializada no assunto, a principiar do tipo vegetal preferido pelos industriais e os meios eficientes para se evitar as pragas da plantação.
Os industriais, à época, obtiveram o auxílio de Pedro Celestino Correia da Costa (22/01/1922-24/10/1924), segunda vez presidente de Mato Grosso, o qual obteve mudas de plantas que resistiriam ao abandono, submetendo-a à apreciação da “Superintendência do Algodão”, que reconheceu na variedade mato-grossense de algodoeiros espalhados pelos distritos agrícolas, o mesmo Gossypium brasiliensi, esse, fornecedor de boas fibras e menos sujeito à ação dos inimigos.
Porém, devido a carência de recursos, por parte do governo, o algodão ficou órfão dos cuidados do governo, permanecendo como de costume, entregue a sorte. Essas crises foram agravadas pelo colapso econômico de 1929, com as tristes consequências depressoras em todos os ramos de atividade.
Após esse colapso e, contagiado pelo sucesso da lavoura algodoeira de São Paulo, em 1929. Mato Grosso se dispõe a empreender a cultura do algodão, especialmente no Sul, com a promessa estonteante de farta colheita. Assim, é mantida a plantação em municípios próximos da capital, como Poconé, cuja capacidade produtiva, aviltam com rigor expansão, as culturas estimuladas pela vizinhança via férrea.
Para Corrêa Filho, o homem é operoso e a terra era afeiçoada ao cultivo algodoeiro. O que faltou foi organização racional do trabalho, no trato com a cultura algodoeira para que, da chapada maracajuana ao vale do Cuiabá, em suas mais altas ramificações, alvejasse a malvácea, que tanto reclamava a civilização, o que não aconteceu.

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