quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Aspectos Industriais em Mato Grosso – Por Neila Maria Souza Barreto (Parte 1)

AS INDÚSTRIAS MATO-GROSSENSES, NO OLHAR DE VIRGÍLIO CORRÊA FILHO
RESUMO
Nos cinco longos capítulos que integram o livro, o autor, intencionalmente, analisa – uma variação sobre o mesmo tema: Indústrias, onde descreve e analisa a indústria açucareira, a cultura algodoeira, a cultura cafeeira, a poaia e a indústria seringueira, em Mato Grosso. O hábil pesquisador apaixonado pelos temas mato-grossenses, teórico de espírito lúcido leva o leitor a discernir com rigor gramatical e comunicação os diferentes aspectos das industrias mato-grossenses, à época, analisando os ciclos econômicos decorrentes de reestruturação produtiva ocorrida nas indústrias, a partir de 1726 a 1926, cujo livro foi publicado em 1945.


Virgílio Alves Corrêa Filho é um escritor mato-grossense famoso por sua literatura de tom voltado à natureza. Nasceu em Cuiabá-MT, aos 9 de janeiro de 1887. Seus primeiros estudos foram feitos em sua terra natal. O superior junto à Faculdade de Engenharia do Rio de Janeiro. Em Cuiabá ficou conhecido pela intensa produção de importantes ensaios sobre a história local (Jornal O Estado de Mato Grosso, 1957). Faleceu no Rio de Janeiro, em 11.09.1973.
Corrêa Filho, em sua obra “As Indústrias Mato-grossenses”, apresenta em três páginas inteiras, destacando as suas obras escritas ao longo de sua existência até o ano de 1945. O texto baseia-se em inquietações a respeito de aspectos industriais, nos quais a interatividade se acrescenta para a produção dos diferentes ciclos econômicos, tais como açúcar, algodão, café, poaia e seringa. Lembra, também, das dificuldades que o autor teve nas publicações de suas produçõ es históricas, igual aos tempos atuais. Deixou os seus agradecimentos e, inicia as suas quase 150 páginas nas informações sobre os aspectos das indústrias em Mato Grosso, a partir do ano de 1726.
Informa que o início da produção açucareira data de 1727, conforme o cronista José Barbosa de Sá. No entanto, questiona em sua narrativa a afirmação do cronista quando afirma ter a indústria açucareira iniciada em 1728, relacionando as plantas de canas em redutos próximos às tribos Guatós, Xacororés e outras.
Nomina como pioneiro no plantio da cana, o brigadeiro Antônio de Almeida Lara, que saiu a procura da planta equipado de duas canoas de guerra, algumas montarias com escravos, alguns homens brancos e boas armas. Ao final de dois meses conseguiram muitas canas, cujas peças o brigadeiro estocou para venda no ano seguinte.
No entanto, Almeida Lara não contava com os roubos, por parte de seus escravos, que as vendiam aos interessados. Com isso, apareceram as pequenas moendas e as destilarias formadas em tachos, dando início ao comércio das (águas-ardentes) de cana, cujo frasco era vendido a cinco e a seis oitavas de ouro, conforme relata Corrêa Filho.
Por outro lado, Virgílio chama a atenção para o relato feito por Barbosa de Sá, que esquecera de mencionar que: “os Guatós, moradores dos pantanais, tiveram a sua disposição o vasto celeiro dos arrozais nativos pelos quais introduziam as suas hábeis canoas, a qual atestavam de abundantes rações nutritivas, mas que também, colhessem cana de açúcar, de cujas roças fossem Almeida Lara para retirar mudas em 1728, o que não é fácil de acreditar”.
Nesse sentido, Corrêa Filho atenta aos leitores para a correção da data, afirmando ser o início da indústria açucareira em 1726, fundamentado no testamento verídico de João Antônio Cabral Camelo, cujas “Noticias Práticas das Minas do Cuiabá e Goiases”, no título de propriedade do sitio fundado pelo brigadeiro, na Chapada, que Rodrigo Cesar e Menezes, assinou, ainda em São Paulo, aos 25 de janeiro de 1726, a favor do Tenente Coronel Antônio de Almeida Lara. Esse, o qual funda fazendas de roças, canaviais e criações na região da Chapada. Justifica, ainda, que João Antônio Cabral Camelo registra que: “quando eu cheguei ao Cuiabá, em 21 de novembro de 1727, havia um único engenho, distante de dez a doze léguas da Vila, no sitio chamado Chapada de propriedade de Almeida Lara”.
Em 1730, conforme Corrêa, a indústria açucareira era composta de cinco engenhos, todos localizados à margem do rio, uma vez que encontrou férteis solos cuiabanos.
Virgílio Corrêa Filho denomina Antônio de Almeida Lara de “Pioneiro” na lavoura açucareira onde afazendou-se em Buriti nas circunjacências de Cuiabá. Sertanista, filho de João Raposo da Fonseca, capitão-mor e Regente, seguiu os passos do padrasto Sebastião Pinheiro. Em defesa de suas terras agiu com crueldade contra os índios Paiaguás que molestavam as monções, em 1731. De igual agiu contra os Guaicurus aliados dos Paiaguás, por meio de uma tranqueira de paus estacados, onde vestiu o cacique da tribo de camisa, vestido encarnado meias, sapatos e um frexado à cinta e mandou-o em busca de seus companheiros. O cacique foi e voltou acompanhado do seu povo. Adentrou a fazenda com alguns e o outros ficaram de fora montado em seus cavalos devidamente armados.
O Brigadeiro Almeida Lara prendeu alguns guaicurus, cortou as orelhas e soltou-os para buscarem os seus exércitos. Corrêa Filho não menciona se os índios Guaicurus voltaram ou não.
Em seguida descreve que a colheita mineira que o salvou Lara, no caso as canas, diminuíram, o que o levou às portas da falência. Porém, Lara, quando seguia viagem para Mato Grosso (Guaporé) seu cavalo tropeçou em um objeto rutilante. Eram pepitas de ouro, reunidas em um opulento caldeirão, com que Lara evitou a falência. Voltou abastado e tornou o seu sitio em lugar de passeios e caçadas das principais autoridades cuiabanas.
No planalto prosperou as lavouras, inclusive, de cana de açúcar, trazida de São Paulo, as quais alastraram de Buriti para as circunjacências, tanto Serra Acima, como pelas margens do Rio Cuiabá, chegando até as terras espanholas. Nesses locais desenvolveram fábricas de açúcar e escolheu o planalto para a montagem dos melhores engenhos próximos aos caminhos terrestres, rota dos tropeiros a serviço do comércio local.
Assim, desenvolveram as maiores fábricas de açúcar, enquanto estacionava a plantação na baixada, que progressivamente deixaria de ser transitada pelas canoas viageiras ameaçadas de assaltos pelos Paiaguás, assim que entravam em águas paraguaias, do São Lourenço ao Taquari. A dificuldade de transporte pela encosta acima, em cotejo com a suavidade esplendida da via fluvial, compensava pelo aproveitamento dos numerosos ribeirões, cujos saltos constituíam o manancial mais útil e econômico de energia abundante, desconhecida dos concorrentes, relata Corrêa Filho.
Mais tarde apareceram nas fábricas de açúcar as rodas hidráulicas, arrumadas de madeira que auxiliavam as moagens e outras operações, na época anterior a navegação direta ao litoral por meio da via platina, mas tarde caminho das primeiras máquinas a vapor, a que se deveu a baixada o seu triunfo.
Em 1775 a indústria açucareira iniciada por Almeida Lara achava-se quase extinta em função dos pesados tributos e impostos sobre os engenhos.
Em meados do século XVIII, Gonçalves da Fonseca, explorador português, escreveu em “Noticia de Mato Grosso e Cuiabá” que na Vila em seu distrito havia dezesseis engenhos de fabricar aguardente de cana, cujo trabalho reunia três mil escravos de Guiné.
Após quatro décadas o naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira anotava em seus rascunhos a existência de estabelecimentos agrícolas dedicados aos canaviais, sendo no distrito de Vila Bela: treze engenhos de aguardente, três engenhos de açúcar e rapaduras e no distrito de Cuiabá: vinte e quatro engenhos de aguardente e vinte e dois engenhos de açúcar e rapadura.
Depois da Independência (1822) Luís D´Alincourt elaborou a monografia intitulada “Resultado dos Trabalhos e Indagações Estatísticas da Província de Mato Grosso”, onde descreveu a indústria açucareira assim constituída:
LOCAISANOSCANADAS DE AGUARDENTEARROBAS DE AÇÚCARMILHEIROS DE RAPADURAS
Cuiabá1825-182740.70722.359556.000
Diamantino1825-18277.7902.950132.000
Mato Grosso1825-182714.4909.228284.000
TOTAL62.98734.537972.000

Segundo Corrêa Filho, os Engenhos existentes seriam maiores em terras cuiabanas, do que no de Vila Bela e, por conseguinte em Diamantino.
Em relatório de 13 de janeiro de 1852, Augusto Leverger, presidente da Província informava que o desenvolvimento da cultura da cana e a preparação dos seus produtos havia melhorado, apesar do desconhecimento das inovações em outras partes do mundo, em função dos impedimentos fluviais.
Com o aparecimento das moendas de ferro foi dado início à iniciativa industrial promovida pelo transito fluvial que proporcionou a fundação da primeira usina açucareira, por meio da navegação do Paraguai, pelas mãos de Francisco Antônio Pimenta Bueno, engenheiro incumbido pelo governo de pulsear, em 1879, a vida econômica da província. Até aquela época as moendas eram movidas a bois e algumas com força motriz, o que limitavam as safras de açúcar, rapadura e aguardente.
A franquia do Paraguai à navegação prolongada até a Capital mato-grossense, contribuiu sobremaneira para evitar maiores empreendimentos no planalto, cuja estrada deixaria de ser a via única de viajantes e mercadorias, do mesmo passo que intensamente canalizava para o Rio Abaixo os industriais progressistas. A partir de 1856 é aberta a navegação pelo Rio Paraguai e o comércio internacional passa a incluir Mato Grosso como mercado consumidor
Francisco Antônio Pimenta Bueno, em 1880 já informava a introdução da máquina a vapor na indústria açucareira, ser um serviço importante para Mato Grosso.
A Lei de 13 de Maio vibrou o golpe de misericórdia nos remanescentes da Chapada, onde predominava a escravaria, repentinamente emancipada, anulando a supremacia serrana, frente ao crescimento do Rio Abaixo, valorizada pelas usinas açucareiras em função de produzir para imediato consumo, somadas a usina de Ressaca, nas vizinhanças de Cáceres, no vale do Paraguai, de Santa Fé, no município de Poconé, Santo Antônio, Limitada, em Miranda, além das engenhocas agrupadas à beira do Cuiabá, cuja matéria prima advinham das canas Caiana, Salangor e outras variedades.
A expansão industrial da usina açucareira em Mato Grosso, a partir de 1880, impulsionada pela importação das máquinas a vapor iniciada no engenho da Conceição multiplicaram os estabelecimentos açucareiros ao longo do rio Cuiabá, de admirável centro de atividade industrial, especialmente entre maio e outubro, época de safras. Meses esses em que se avivava a população ribeirinha, em suas moendas insaciáveis, proporcionando o aparecimento no ambiente social o surto de nobre classe, a qual imitava o baronato feudal, em costumes, gestos e autoridades. Seus vassalos eram abrigados com proteção de quaisquer delinquências. Havia entre eles os capangas incumbidos de zelar pela vida do patrão, além de policiar os estabelecimentos açucareiros. Eram-lhes garantidos alimentação, não lhes eram permitidos ausentarem-se antes da quitação de suas dívidas, em geral crescente, onde a fuga era punida com castigos, aos moldes do trabalho hoje denominado de escravo no Brasil.
O apogeu de tal regime concretizou-se na Usina de Itaici, iniciada festivamente em 11 de junho de 1895, onde foi montado o mais possante conjunto mecânico entre quantos operavam no Rio Abaixo.
À época, dominava na política estadual, o situacionismo poncista, que a dissidência murtinhista resolveu destronar, amparada pelo governo federal cuja orientação financeira Joaquim Murtinho sustentou com saber e força, obtendo apoio do organizador do Itaici, Totó Paes, além da adesão de seus clientes e do seu núcleo populacional.
O rompimento ocorrido entre o então senador Generoso Ponce e a poderosa família Murtinho culminou com episódios de luta armada e com o cerco da Assembleia Legislativa, levando à renúncia o então presidente estadual Cesário de Figueiredo. A liderança dos grupos armados foi assumida precisamente por Totó Paes, comandante da denominada “Legião Campos Sales”. A vitória no campo militar elevou o até então usineiro à condição de líder político, tornando-o o principal sustentáculo armado do governo de Antônio Pedro Alves de Barros, que, apesar da similitude do sobrenome, não era membro de sua família”. (FONTES: CORREIA FILHO, V. História; FANAIA, J. Elites; MENDONÇA, E. Datas; MENDONÇA, R. História das; MENDONÇA, R. História do; MENEZES, A. FONTES: CORREIA FILHO, V. História; FANAIA, J. Elites; MENDONÇA, E. Datas; MENDONÇA, R. História das; MENDONÇA, R. História do; MENEZES, A. Morte. cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PAIS, %20Totó.pdf
Em 1906, por fim, contribuiu para o desgaste a ruptura de Totó Paes com a família Murtinho. A aliança construída em 1899 foi aos poucos se deteriorando, e a perda de apoio político de personagens com expressivo trânsito junto ao governo federal, bem como o reatamento de relações dos Murtinho com Generoso Ponce fragilizaram sobremaneira a posição de Totó Paes.
A confluência desses fatores produziu o isolamento do presidente do estado, que foi agravado pela derrota nas eleições federais em 1906, revelando a fragilidade de sua base, a representação federal que o apoiava ficou extremamente reduzida[2]. Em 1938, o “Anuário Açucareiro registrou, no Estado de Mato Grosso”, até 31 de dezembro de 1937, a existência de: 11 usinas açucareiras com turbinas e vácuos; 8 usinas só com turbinas; 80 engenhos de açúcar e rapadura, 77 engenhos, exclusivamente de aguardente, num total de 176 estabelecimentos ao todo. A respeito do capital investido por esses industriais chegou-se a 7.432:800$000, cujos dados descreve como incompletos, em função do anuário não ter recebido informações de alguns usineiros, destacando a existência das usinas: Aricá, Conceição, Flechas, Santo Antônio, Santo Antônio Limitada, São Benedito (Ex Itaici), São Miguel, Ressaca, Santa Fé, São Gonçalo e Taquaruçu.
Conforme Corrêa Filho, depois de ascenderem progressivamente, as usinas decaem em suas produções motivadas por variadas situações. Dentre essas, destaca como sendo as principais decorrentes das perturbações advindas de tropelias policiais, as quais que contribuíram para desorganizar o trabalho rural, especialmente à beira do rio, em busca de devassas abusivas. Esses deixaram os estabelecimentos desfalcados dos principais usineiros que se encontravam hospedados no quartel da Força Policial em Cuiabá, refletindo inquietações entre patrões e camaradas, por conseguinte, com reflexo na produção final. Situação que foi agravando-se ainda mais com a Revolução de 1932, mediante a investida pelo General Bertholdo Klinger (1884-1969)[3] que se mobilizou contra a Capital. Além disso, essa situação foi agravada pelo colapso nas lavouras, onde os lavradores tiveram que recorrer para substituição dos tipos usuais pela variedade da cana “Java”, uma vez que não havia institutos de créditos, a que pudessem recorrer os interessados idôneos para os melhoramentos em seus engenhos, bem como, o aparecimento do Instituto do Açúcar e do Álcool, que, de mais a mais, fixou as quotas de produção de cada fabricante. Era um fim anunciado à indústria açucareira em Mato Grosso.
[1] Membro Efetivo do IHGMT. Jornalista e Mestre em História pela UFMT. Neila.barreto@hotmail.com
(PAIS, Totó *pres. MT 1903-1906- João Edson Fanaia – FONTES: CORREIA FILHO, V. História; FANAIA, J. Elites; MENDONÇA, E. Datas; MENDONÇA, R. História das; MENDONÇA, R. História do; MENEZES, A. Morte.)

[3] Fundador da Defesa Nacional em 1913. Chefe das Tropas Legalistas que combateu a Coluna Prestes em Mato Grosso, em 1925.

Corrêa Filho, Virgílio Alves: Industrias Matogrossense. Monografias Cuiabanas. Jornal do Commercio – Rodrigues & Cia. Avenida Volume V. 1945. Rio de Janeiro. p.144.

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