sábado, 22 de março de 2008

A água e o corpo

Por Neila Barreto
Em nosso cotidiano, pela vida agitada que levamos, não prestamos muita atenção no desperdício contínuo da água potável, da sua importância para a vida e, principalmente de um gesto simples: “fechar sempre a torneira após o uso da água”, “só gastar o necessário”.
Por isso devemos entender que, se a água nos faltar, também poderá deixar de existir, pois a água é constituída de corpos. É a essência da vida.Segundo a historiadora Denise Bernuzzi Sant Anna, da PUC-SP, a água é um elemento flexível que passa pelos esgotos aceitando o que o homem abomina, corre alto ou baixo, assume a forma de qualquer recipiente e serve a uma imensidão de propósitos. É um importante testemunho do nosso corpo, presta a ele os mais íntimos e desclassificados serviços, serve aos mais abençoados e higiênicos atos humanos, como a limpeza do nosso corpo, da casa, o batismo dos nossos filhos e filhas e a limpeza rumo ao caminho da última morada.
No entanto, esta sua flexibilidade ao mundo e aos corpos humanos incluem também, a sua abundância e a sua escassez. Para que ela não nos falte é necessário que eduquemos os nossos gestos, os nossos hábitos do dia a dia. Essa tarefa começa na sua casa, passa pela escola, pela comunidade e pelos órgãos responsáveis pela comunicação em nosso país.Longe foi o tempo, onde eram freqüentes no espaço urbano de Cuiabá de outrora, o uso de latas de ferro, potes, barris, pipas, filtros de barros, cuias, jarros, baldes, moringas, etc. para recolher água boa de beber dos rios, fontes, córregos, ribeirões e chafarizes para as nossas casas.
Hoje os tempos são outros, mas a preciosidade da água continua.Os gestos dos escravos de ganho ou não, dos carregadores e das carregadoras dessas latas, desses potes de água, de colocá-los na cabeça, dos carroceiros e as suas pipas eram bastante comum em boa parte da Cuiabá do século XIX. Esses gestos marcaram, sobretudo, a postura e as atividades físicas desses escravos, homens e mulheres pobres, onde a água se servia do corpo como o seu principal meio de transporte, mas onde a sua obtenção era árdua e o seu uso controlado por patrões e senhores.
Eram corpos caracterizados por figuras retilíneas, como as lavadeiras que portavam pesados tachos de cobres repletos de roupas, as quais eram lavadas às margens dos nossos rios e córregos, como o exemplo de Maria Taquara hoje eternizada em praça pública da nossa cidade com o seu gesto habitual.
Por meio desses gestos, dessas formas de obtenção e uso da água encontramos informações preciosas sobre o cotidiano da cidade de Cuiabá, onde toda casa, independente de ser moradia pobre ou abastada, possuía no canto da sala uma talha, contendo de 40 a 60 litros de água de beber e a sua utilização era controlada por uma cuia, caneca ou copo.
Tais usos dessa água nos indicam também, as práticas de limpeza utilizadas nos corpos, como a lavagem dos pés após um dia de labuta; bacias com água morna para o descanso e limpeza dos pés dos viajantes, tinas para banho, banhos de córregos, rios e ribeirões, hábitos que atestam asseios e boa educação, hospitalidade e respeito da população, também presentes nos códigos de posturas da época, vistoriadas por policiais.
No entanto, Cuiabá possui em pleno século XXI uma verdadeira indústria de água que capta dos nossos rios, trata e distribui à população, fazendo chegar até as nossas casas “vestidas” de encanamentos para o consumo humano. Por que não valorizar esse serviço?
Por que não valorizar esse gesto? É preciso que através dos mais humildes gestos, administremos os nossos hábitos, os de nossos filhos, alunos, comunidades em relação ao uso da água potável, a fim de que ela não nos falte. Só assim, poderemos preservar os nossos corpos, animais, plantas, etc. enfim seres vivos que precisam de água para sobreviver. Pense nisso! Não vai doer.

Neila Barreto, é professora, jornalista, mestre em história

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